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Quando se fala em ROI (Return on Investment), da usabilidade numa empresa, aplicado a um produto ou a um serviço, várias questões são levantadas:
- Qual é o valor real da usabilidade?
- Como se calculam as suas métricas?
- Quais os recursos necessários para o quantificar?
Neste artigo pretendemos tratar estas questões clarificando alguns conceitos, sugerindo práticas a serem implementadas, por fim, ilustrando com alguns exemplos,
Conceitos
A confusão entre termos como “User Experience (UX)” e “Usabilidade” é frequente. Enquanto que UX é uma definição abrangente que abarca todos os aspetos da interação do utilizador com a marca, os seus serviços ou produtos finais, a usabilidade está diretamente relacionada com a observação e quantificação de desempenho (eficácia e eficiência), o processo de aprendizagem e a satisfação durante a interação ou utilização de determinado interface ou produto em determinados momentos do seu processo de desenvolvimento. Simplificando, podemos considerar UX como o lado emocional de um serviço ou produto, e a Usabilidade como a sua vertente mais racional e metódica.
Para um produto ser realmente bem sucedido, o design deve ser centrado no utilizador – tendo em conta as suas necessidades, capacidades e limitações – mas deve refletir os objetivos de negócio da empresa. Para isso,
as equipas de usabilidade devem ser responsáveis por alimentar o processo de design centrado no utilizador, bem como colaborar diretamente com as equipas de implementação incluindo as práticas e métricas de usabilidade no processo de desenvolvimento.
É também importante diferenciar os conceitos de “Marketing research” e “User Research”. Enquanto que o primeiro se refere-se à definição de tendências de mercado e definição de públicos-alvo, criando necessidades de consumo e novos modelos de negócio; o segundo se refere ao conjunto de metodologias empíricas que recolhem informação sobre o utilizador, quantificam e analisam comportamento e identificam de uma forma mais objetiva as suas necessidades e características.
Vender Usabilidade
Em 2002, Don Norman sugeriu que os analistas de Usabilidade aprendessem a converter o seu trabalho em ROI. Por outro lado, Daniel Rosenberg da Oracle Corporation critica esta abordagem focada no custo vs. ganho, referindo-se à mesma como redutora. Contudo, em algumas empresas, a implementação de projetos de usabilidade e user-experience estão dependentes de análises prévias do ROI, como é o caso da eBay.
Quando o orçamento de um projeto começa a enfrentar imprevistos, habitualmente são os serviços de usabilidade os primeiros a serem dispensados – isto, considerando que são incluídos de todo na fase de definição do projeto. Recentemente, Jim Ross dizia que a concretização destes serviços era como manter uma alimentação saudável ou fazer exercício físico: Todos reconhecem a sua importância, mas a maioria não o cumpre. As justificações vão desde “eu conheço os utilizadores e sei o que eles querem” a “depois explicamos melhor no manual”.
Com base nestes pressupostos, existem duas formas principais de evidenciar o valor real que a usabilidade pode ter numa empresa: (1) traduzir usabilidade em ROI, isto é, concretizar os ganhos financeiros e/ou (2) mostrar, através de exemplos, os benefícios da aplicação de um design centrado no utilizador.
Quantificar Usabilidade
Quantificar usabilidade é particularmente importante porque é a forma mais efetiva de comunicar com os stakeholders do produto ou serviço que está a ser avaliado. Para além disso o desenvolvimento de métricas e ferramentas permitem a comparação entre soluções diferentes ou estimar a magnitude e impacto de um problema de usabilidade.
Estas métricas tornam-se ainda mais úteis se conseguirem ilustrar e comunicar de uma forma direta o ROI de usabilidade, seja através do aumento de vendas, de criação de leads, da adoção do produto ou da tecnologia, ou da própria satisfação do cliente que pode ser traduzida em identificação e fidelização com a marca.
Uma estimativa comum é a de que cada dólar investido em usabilidade na fase de definição do projeto, custaria 10 dólares na fase de desenvolvimento e 100 dólares na fase de implementação.
Os argumentos habituais são os de incluir usabilidade o mais cedo possível no processo de desenvolvimento de um produto, mas mesmo quando aplicado no final do processo, um teste sumativo permite identificar muitos problemas e dar entre 70 a 100 recomendações de melhoria.
Os custos de implementação de usabilidade passam principalmente por salários, funcionamento, equipamento, local para a realização de testes, recrutamento e pagamento aos participantes, e tempo de planificação. Estes custos podem ser comparados com os “custos de frustração” derivados de um mau design do produto ou serviço, como o aumento de despesas, receitas perdidas, perda de produtividade, e tempo de desenvolvimento desperdiçado.
Os ganhos estendem-se pelo aumento de vendas online e offline; no caso dos websites, aumento de conversões de visitante para consumidor, aumento de número de visitantes, tempo no site, retorno da publicidade; redução em apoio ao cliente; redução de necessidades de formação, documentação e manutenção; aumento de confiança na marca, produto ou serviço. Podem ser utilizadas ainda medidas de desempenho como o tempo necessário para desempenhar tarefas como o login, criação de ficha de cliente, etc.
Casos de Estudo
O botão dos 300 milhões
No website de uma grande empresa de comércio online, uma página tinha um formulário comum, com os campos de “Login” ou de “Registe-se”. Este formulário aparecia depois de selecionarem os itens a adquirir e clicarem no botão do “Checkout”. Aparecia antes de incluírem a informação para pagar o produto.
O objetivo era o de permitir que os clientes recorrentes comprassem de forma mais rápida, e “os clientes novos não se importariam de fazer um registo”.
Foram feitos testes de usabilidade, e o que se verificou foi que, na realidade, os clientes novos importavam-se com o registo. O formulário apenas tornava as compras mais rápidas a um número muito reduzido de clientes, isto é, o formulário tinha o efeito contrário: impedia vendas.
A solução proposta foi simples. Retirou-se o botão “Registe-se” e colocou-se o botão “Continuar” com a mensagem “Não é necessário criar uma conta para adquirir produtos no nosso site. Clique no botão “Continuar” para prosseguir para o checkout. Para tornar as suas compras no futuro ainda mais rápidas, pode criar uma conta durante o checkout.”
Depois da alteração, o número de clientes que concluíam compras aumentou em 45%, o que resultou num extra de 15 milhões de dólares no primeiro mês.
O botão “Pesquisar” na IBM
No website da IBM, a função mais utilizada era a de “Pesquisa” uma vez que o site era difícil de navegar. A segunda era a “Ajuda”, porque a pesquisa era normalmente ineficaz. A solução passou por um esforço de 10 semanas para redesenhar o site, o que envolveu mais do que 100 funcionários com um custo estimado de milhões de dólares.
Na primeira semana depois de lançar o novo site, a utilização do botão “Ajuda” reduziu em 84% e as vendas aumentaram em 400%.
O erro de $1.85 biliões de dólares do Walmart
Em 2008, a cadeia norte-americana Wallmart lançou o projeto “Impacto” que visava uma grande mudança na estratégia e na experiência do utilizador dentro das suas lojas. Os clientes referiram em questionário preferir corredores com menos produtos, e mais espaço livre. O Wallmart reviu a sua política de variedade a preços baixos, e reduziu em 15% o inventário disponível nas lojas. Nesta remodelação, retiraram os produtos colocados no centro dos corredores, algumas montras e encurtaram as prateleiras.
Além do custo da remodelação das infraestruturas, houve uma perda imediata em vendas, que totalizou os $1.85 biliões de dólares.
A necessidade de observar os utilizadores a interagir com o produto, e não apenas a questioná-lo fica latente nestes exemplos. “Conhece o teu utilizador” deveria ser o lema de qualquer serviço ou produto.
Usabilidade nas práticas e processos
Quanto mais precoce e iterativo for o processo, mais impacto terá sobre as práticas de desenvolvimento e mais evidente se tornará o ROI.
Conhecer a empresa, os processos e o modelo de negócio
Compreendemos que, em muitas empresas, a forma de se chegar a estes números não seja direta ou fácil de calcular até porque em alguns negócios ou produtos os resultados podem não ser tão tangíveis. Para isso, na fase de levantamento de informação e necessidades, os objetivos de negócio e processo de desenvolvimento devem ser claramente transmitidos à equipa de usabilidade e as métricas debatidas.
Definição de requisitos de usabilidade
As necessidades do utilizador deverão ser “traduzidas” em requisitos para o sistema/produto desde o início do processo, na fase de requisitos ou num sprint inicial, dependendo da metodologia de gestão de projeto utilizada.
Apresentação de resultados
A equipa de usabilidade deve apresentar resultados de uma forma direta e rápida de compreender, que vise as necessidades do utilizador, mas que ao mesmo tempo responda a questões específicas relacionadas com os objetivos de negócio, e idealmente que agilizem o processo de desenvolvimento. Desta forma os resultados devem ser transmitidos de uma forma simples, objetiva e com um timing adequado relativamente ao planeamento do projeto. Quanto mais precoce e iterativo for o processo, mais impacto terá sobre as práticas de desenvolvimento e mais evidente se tornará o ROI. Todos os stakeholders, tanto os responsáveis pelo desenvolvimento como pela gestão de projeto, devem ser incluídos neste processo porque trazem diferentes objetivos, prioridades e indicadores para a discussão.
Fontes:
Vu, K., & Proctor, R. (2011). Handbook of human factors in Web design.
Web:
http://www.nngroup.com/articles/
http://www.uie.com/articles/cost_of_frustration/
Sobre as autoras:
Joana Vieira
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Analista de usabilidade do D.I.A Perceção, Interação e Usabilidade @CCG
Formada em Psicologia Experimental, é atualmente analista de Usabilidade no domínio de investigação aplicada Perceção, Interação e Usabilidade do Centro de Computação Gráfica. Esteve envolvida em projetos de certificação de produto ao nível da usabilidade e design centrado no utilizador; integra a equipa de Fatores Humanos de projetos de HMI automóvel, Saúde e TICs, tendo realizado estudos de validação de ícones e de gestos, entre outras metodologias; De momento é doutoranda de Ergonomia na Faculdade de Motricidade Humana (ErgoVR, FMH, Universidade de Lisboa), onde investiga sinais sonoros de aviso em ambientes laborais partilhados.
Sandra Mouta
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Coordenadora de desenvolvimento D.I.A Perceção, Interação e Usabilidade @CCG
Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, é neste momento Coordenadora de Desenvolvimento do Domínio de Investigação Aplicada “Perceção, Interação e Usabilidade”, no Centro de Computação Gráfica em Guimarães. Coordena uma equipa de Fatores Humanos e Usabilidade, com competências na área da percepção, interação, execução motora e análise comportamental, aplicadas em projetos nos tópicos dos Transportes, Saúde, HMI e TICs.
Possui uma Especialização em Engenharia Humana na Universidade do Minho e foi investigadora em pós-doutoramento no Departamento de Psicologia Básica da Universidade de Barcelona e no INESC TEC. Mantém-se como investigadora colaboradora no Laboratório de Visualização e Perceção (Centro ALGORITMI, Univ. do Minho).
Minuto 8:10 – Ben Shneiderman tem uma das mais poderosas citações que conheço sobre ROI em usabilidade “1$ spent on usability had 100$ pay off in the life cycle product”
https://youtu.be/aSD2WxPm09E?t=8m10s