Vivemos numa era em que a digitalização permeia todos os aspetos da nossa vida: desde o quotidiano pessoal e profissional, até aos serviços públicos e críticos que garantem o funcionamento da sociedade.
No entanto, essa crescente dependência de soluções tecnológicas, muitas vezes desenvolvidas e geridas por entidades externas, levanta questões preocupantes sobre a soberania digital dos países. Como podemos garantir a segurança, integridade e autonomia das nossas infraestruturas se não dominamos as ferramentas que as sustentam? Esta é a essência da ciber-soberania e da sua relação com a independência tecnológica.
A dependência tecnológica e a vulnerabilidade nacional
As infraestruturas críticas de qualquer país — energia, transportes, saúde, telecomunicações e defesa — estão cada vez mais dependentes de soluções digitais. O problema surge quando essas tecnologias são desenvolvidas ou geridas por empresas estrangeiras, enfraquecendo o controlo de um país sobre os seus próprios sistemas. Esta dependência externa aumenta a vulnerabilidade a ciberataques, espionagem digital e pressões políticas, criando um risco sistémico. Um ataque recente a infraestruturas de energia em vários países demonstrou como uma falha num sistema digital pode causar uma interrupção devastadora de serviços essenciais.
O Impacto no Quotidiano
A nossa dependência do digital vai além dos setores críticos. Cidadãos dependem de soluções tecnológicas para trabalhar remotamente, aceder a serviços públicos e comunicar. Quando estas soluções são fornecidas por entidades externas, a segurança dos nossos dados e a continuidade destes serviços tornam-se vulneráveis. Em momentos de crise, o controlo sobre essas tecnologias pode ser comprometido, impactando diretamente a vida das pessoas e o funcionamento de serviços essenciais.
Liberdades e Direitos Fundamentais em jogo
A ciber-soberania é também uma questão de direitos fundamentais. Ao depender de tecnologia externa, arriscamos comprometer a privacidade e a proteção dos nossos dados. As empresas que controlam essas soluções, intencionalmente ou não, podem infringir liberdades como a de expressão e proteção contra a vigilância. A falta de controlo sobre os nossos sistemas torna-se um facilitador de intervenções externas que ameaçam direitos fundamentais, tanto individualmente como nacional.
Capacitação e sensibilização como solução
Para assegurar a ciber-soberania, é imprescindível que os países façam um investimento substancial na capacitação digital interna. Tanto os cidadãos como as instituições devem adquirir competências sólidas em cibersegurança e adotar uma mentalidade de segurança digital. Este esforço exige uma abordagem abrangente, que integre a capacitação técnica, a sensibilização social e a formação contínua, promovendo o desenvolvimento de competências locais desde a investigação científica até à implementação e gestão de sistemas digitais. Além disso, é crucial que todos os cidadãos estejam preparados para navegar de forma segura no ambiente digital.
Tal como aprendemos normas básicas de segurança no mundo físico — como atravessar a rua em segurança e agir com precaução —, estas capacidades devem ser adaptadas ao contexto digital. A criação de uma força de trabalho especializada em cibersegurança torna-se, assim, uma prioridade nacional, assegurando que o país dispõe de recursos internos para proteger infraestruturas críticas e reduzir a dependência de soluções tecnológicas externas.
É igualmente essencial sensibilizar a população sobre os riscos e as responsabilidades associados ao uso da tecnologia digital. Ao capacitar os utilizadores para se protegerem de forma autónoma, promove-se uma cultura de segurança cibernética, na qual cada cidadão tem um papel ativo na proteção coletiva no espaço digital.
Além disso, torna-se necessário promover processos de inovação e investigação que, a médio e longo prazo, possam diminuir a dependência externa. Isto permitirá alavancar a capacidade interna do país, visando o desenvolvimento de soluções próprias para áreas críticas e sensíveis. A utilização e implementação de soluções de código aberto poderá ter um papel fundamental, uma vez que permite a análise, verificação e adaptação dos sistemas, garantindo transparência e independência tecnológica.
Com esta abordagem, não só se reforça a cibersegurança e a resiliência perante ataques, como também se fortalece, em última instância, a soberania nacional.
Por: Tiago Pedrosa
Investigador Afiliado do CCG/ZGDV Institute em questões de cibersegurança