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Europa sob pressão: a nova aposta da UE para liderar na inovação global
26 Novembro, 2025

A União Europeia atravessa um momento crítico para a sua competitividade tecnológica. Com Ursula von der Leyen ao leme da Comissão Europeia, mas sem uma maioria absoluta no Parlamento Europeu, e perante os desafios estratégicos colocados pelos EUA sob a liderança de Donald Trump, a Europa enfrenta uma encruzilhada: será capaz de transformar ambições de inovação em poder geoeconómico real?

No centro das propostas para o próximo orçamento de longo prazo (MFF 2028–2034) está o recém-anunciado European Competitiveness Fund (ECF) — atualmente em discussão — que pretende mobilizar capital público e privado para apoiar tecnologias estratégicas. A dimensão exata do fundo ainda está a ser negociada, mas estimativas apontam para um envelope potencial na ordem dos 400–450 mil milhões de euros, integrado no novo quadro orçamental de cerca de 2 biliões proposto pela Comissão. O ECF deverá focar-se em áreas estratégicas como a transição climática, digitalização, saúde/biotecnologia e defesa/espaço, embora a distribuição final do orçamento dependa das negociações com os Estados-Membros. Muitos governos poderão mostrar-se reticentes em reduzir rubricas tradicionais, como agricultura e coesão, em favor de instrumentos cuja eficácia ainda precisa de ser demonstrada.

Em paralelo, o sucessor do Horizon Europe está a ser delineado com um envelope recomendado por vários stakeholders — incluindo associações científicas e industriais — na ordem dos 175 mil milhões de euros, embora o valor final só venha a ser conhecido após negociação interinstitucional. A lógica de complementaridade entre o futuro programa de I&I e o ECF é clara: enquanto o programa de investigação apoiaria todo o percurso científico até à pré-comercialização, o ECF procuraria acelerar a escala industrial e a implementação de tecnologias críticas.

Uma proposta ainda pouco debatida no espaço público é o potencial mecanismo de “EU Preference”, sugerido pela Comissão, que daria prioridade a tecnologias estratégicas produzidas dentro da União. Embora ainda sem detalhes finais, esta abordagem pretende utilizar recursos públicos para reduzir riscos de investimento privado em sectores como IA, biotecnologia ou defesa, reforçando a autonomia tecnológica europeia e diminuindo dependências externas.

A governação proposta para o ECF também reflete uma abordagem mais coordenada: a criação de um Strategic Stakeholder Board, nomeado pela Comissão, e de um Observatório de Tecnologias Emergentes capaz de identificar falhas de mercado e orientar investimentos. Estes instrumentos ainda estão em fase conceptual, mas ilustram o objetivo de tornar o fundo proativo e orientado por missões, e não apenas mais um mecanismo financeiro.

Este redesenho de instrumentos está alinhado com as recomendações do Relatório Draghi, que alertou para a estagnação da produtividade europeia e estimou que a UE precisaria de mobilizar €750–800 mil milhões adicionais anuais — cerca de 5% do PIB — para recuperar competitividade global. Trata-se, no entanto, de um cenário analítico e não de uma meta institucional formalmente adotada.

Apesar das ambições, os riscos permanecem evidentes: a implementação pode ser lenta, a coordenação entre Estados-Membros é complexa e existe resistência política a mudanças orçamentais significativas. Além disso, a mobilização de capital privado para projetos deep tech só ocorrerá plenamente se o ambiente regulatório europeu for suficientemente favorável e previsível. Ainda assim, há sinais encorajadores. Segundo o Industrial R&D Investment Scoreboard 2024, as empresas europeias aumentaram o investimento em I&D em 9,8% em termos nominais em 2023, superando as empresas norte-americanas (+5,9%) pelo segundo ano consecutivo e reduzindo parcialmente a diferença histórica no investimento privado em I&D entre a UE e os EUA.

Comparada aos Estados Unidos, onde a inovação combina investimento privado intenso com programas federais robustos como a DARPA ou os NIH, a Europa ainda procura estruturar um ecossistema igualmente integrado. O par ECF + próximo Horizon Europe oferece uma oportunidade inédita para aproximar estas duas dimensões sob uma lógica europeia: coordenada, orientada por missões e alinhada com prioridades estratégicas comuns.

A UE tem, assim, uma nova janela de oportunidade. Com von der Leyen a pressionar para modernizar o orçamento, a Europa pode reinventar o seu papel no tabuleiro global da inovação. Mas o sucesso dependerá não apenas do montante financeiro anunciado, mas da capacidade política de implementar, coordenar e entregar resultados concretos. O relógio da competitividade não para — e a Europa sabe que não pode perder este momento.

Artigo de opinião de Talita Soares, EU Strategy & Policy Advisor.

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