Numa época marcada pela escassez de recursos, pela degradação ambiental e pelas alterações climáticas, torna-se urgente repensar os nossos modelos de produção e consumo. A economia linear, baseada em extrair, usar e descartar, revela-se cada vez mais insustentável. É neste contexto que a economia circular surge como uma alternativa estratégica e necessária, capaz de reduzir o desperdício, prolongar o ciclo de vida dos produtos e valorizar os materiais. Este artigo propõe uma reflexão sobre os princípios da economia circular, os desafios à sua implementação e o papel fundamental da tecnologia na construção de um futuro mais sustentável e resiliente.
O que é a economia circular?
A economia tradicional, amplamente adotada ao longo do último século, baseia-se num modelo linear de produção e consumo que segue a lógica “extrair, produzir, consumir e descartar”. Neste ciclo, tudo começa com a extração de matérias-primas da natureza, como minerais, combustíveis fósseis ou recursos agrícolas, que são transformadas em produtos através de processos industriais. Esses produtos são então distribuídos pelo retalho e consumidos pelo público. Ao atingir o fim da sua vida útil — seja por desgaste, obsolescência ou perda de funcionalidade — esses produtos são geralmente descartados como lixo, muitas vezes sem qualquer reaproveitamento dos materiais ou componentes. Este modelo linear depende de uma disponibilidade constante de recursos naturais e gera grandes quantidades de resíduos, o que contribui significativamente para a degradação ambiental e as alterações climáticas.
A economia circular surge como uma alternativa regenerativa e sustentável a este modelo. Em vez de seguir uma linha reta que termina no descarte, a economia circular propõe um ciclo fechado, no qual os produtos, materiais e recursos são mantidos em uso durante o maior tempo possível. Isso é conseguido através de estratégias como a recolha dos produtos no fim do seu ciclo de vida, a desmontagem para separar os seus componentes, o recondicionamento para restaurar a funcionalidade, a remanufactura para reaproveitar partes em novos produtos, e a reciclagem para transformar os materiais em novas matérias-primas (Figura 1). Assim, em vez de considerar o descarte como um fim inevitável, a economia circular reintroduz os materiais no sistema produtivo, reduzindo a extração de recursos, o consumo de energia e a produção de resíduos. Trata-se de uma mudança de paradigma que visa conciliar desenvolvimento económico com responsabilidade ambiental.
Figura 1 – Ciclos de vida da Economia Tradicional e Circular
Que medidas está a União Europeia a adotar para impulsionar a economia circular?
A União Europeia tem vindo a reforçar o seu compromisso com a economia circular através de políticas ambiciosas, como o Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), que visa tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono até 2050. Neste contexto, destaca-se a proposta de Regulamento para Produtos Sustentáveis (ESPR), que estabelece requisitos obrigatórios de durabilidade, reparabilidade e reciclabilidade para produtos vendidos no mercado europeu. Complementarmente, a nova diretiva Ecodesign alarga o foco além da eficiência energética, exigindo que os produtos sejam desenhados desde a origem para facilitar a reutilização e a reciclagem. A expectativa da Comissão Europeia é que estas medidas estejam plenamente implementadas até 2030, promovendo uma transição eficaz para modelos circulares em todos os setores económicos, com impacto direto na indústria, no consumo e na gestão de resíduos.
Quais são os principais obstáculos à adoção da economia circular?
Apesar do potencial transformador da economia circular, a sua implementação enfrenta diversos obstáculos. Um dos principais é a ausência de ecodesign: a maioria dos produtos atuais continua a ser concebida para produção em massa, com montagem rápida e económica, mas difícil de desmontar, reparar ou reciclar. Essa abordagem dificulta a recuperação de componentes e materiais no fim de vida dos produtos. Além disso, muitos setores ainda não dispõem de infraestruturas adequadas para processos circulares, como sistemas eficientes de recolha, triagem e reciclagem. Soma-se a isso a resistência de muitos parceiros industriais à mudança, motivada por custos de transição, falta de incentivos económicos e desconhecimento sobre os benefícios a longo prazo. Esta combinação de fatores revela a necessidade urgente de políticas integradas, investimento em inovação e mudança cultural no setor produtivo.
É realista apostar na economia circular apesar dos desafios?
Embora os desafios sejam significativos, é viável — e necessário — falar de economia circular. Basta olhar para exemplos consolidados como a reciclagem de vidro, metal e papel. Atualmente, na Europa e segundo a Eurostat, cerca de 75% do vidro e 80% dos metais ferrosos são reciclados, com altas taxas de reuso sem perda de qualidade. Estes processos, hoje rentáveis, começaram de forma lenta e pouco eficiente, com recolha seletiva mesmo antes de existirem infraestruturas industriais otimizadas. A reciclagem de papel, por exemplo, já representa uma indústria com receitas anuais superiores a 18 mil milhões de euros na UE. Isto mostra que, com o tempo, investimento e vontade política, é possível transformar práticas sustentáveis em modelos económicos sólidos. A economia circular segue esse mesmo caminho: começa com esforço e visão, mas tem potencial comprovado para gerar valor ambiental, social e económico a médio e longo prazo.
Como pode a tecnologia acelerar a transição para a economia circular?
A digitalização desempenha um papel essencial na transição para a economia circular, ao permitir a criação de modelos de negócio mais sustentáveis, eficientes e transparentes. Através da tecnologia, é possível promover a rastreabilidade de toda a cadeia de fornecimento, identificar a origem dos materiais, monitorizar o uso dos produtos e planear o seu destino pós-consumo. Ferramentas digitais como sensores IoT, ledgers distribuídos e plataformas de dados facilitam não só a gestão de resíduos e a recolha seletiva, mas também a integração de comunidades e consumidores nos sistemas circulares — através de aplicações que incentivam o retorno de produtos usados ou a partilha de recursos, por exemplo. A tecnologia também apoia a criação de serviços baseados em "produto como serviço", onde o foco deixa de ser a posse e passa a ser o uso eficiente e prolongado.
Um dos instrumentos mais promissores neste contexto é o Passaporte Digital do Produto, que a União Europeia pretende tornar obrigatório em diversos setores até 2030. Este passaporte reúne e disponibiliza informações detalhadas sobre a composição, origem, desempenho ambiental e potencial de reutilização ou reciclagem de cada produto. Com ele, fabricantes, retalhistas, consumidores e recicladores ganham acesso a dados fiáveis que facilitam decisões conscientes ao longo de todo o ciclo de vida. Além de aumentar a transparência, este mecanismo cria as bases para uma economia mais circular, permitindo a reparação, atualização e remanufactura com maior eficiência, e contribuindo para a redução do desperdício e da pegada ecológica.
Conclusão
A transição para a economia circular não é apenas desejável — é imprescindível para garantir um futuro sustentável. Para alcançar os objetivos definidos pela União Europeia, é fundamental acelerar a implementação de processos circulares e investir em tecnologias que os tornem viáveis e eficientes. A digitalização, a inovação no design de produtos e a colaboração entre setores serão determinantes para cumprir os prazos estabelecidos. Só com compromisso político, investimento contínuo e envolvimento de toda a sociedade será possível transformar a economia linear atual num modelo regenerativo, mais justo e resiliente.
Artigo de Opinião por Leopoldo Silva, Researcher in Software Engineering and Data Intelligence (EPMQ)