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Robótica centrada no humano: Desafios de um futuro próximo
30 Março, 2021

  

Desde há muitos anos que a ficção científica nos mostra visões de mundos futuros em que robôs e outros sistemas inteligentes coexistem e colaboram com seres humanos em estreita proximidade. Hoje vemos os primeiros veículos autónomos nas estradas e os primeiros robôs de serviço dentro das nossas casas. Afinal, a ficção parece estar cada vez mais próxima da realidade.

 

No entanto, para alcançarmos uma coexistência benéfica entre humanos e robôs, é necessário que a interação entre estes seja devidamente considerada no desenvolvimento dos sistemas autónomos, garantindo que seja segura, intuitiva e eficaz.

Este foi o tópico de um webinar organizado pelo CCG -  o primeiro de uma série denominada “InteracTalk” que se foca em questões ligadas à interação homem-máquina em diferentes contextos de aplicação.

A discussão contou com a participação da professora Estela Bicho, Alexandra Fernandes e Dominic Noy.

No seu conjunto, o painel ofereceu uma perspetiva alargada dos desafios de investigação que se colocam ao domínio da interação humano-robô, a importância de compreender as necessidades dos utilizadores e o que se pode esperar em termos de desenvolvimento futuro.

 

Interação segura, intuitiva e eficaz

Combinar segurança, intuição e eficácia na interação humano-robô não é uma tarefa fácil. Tradicionalmente, os robôs têm sido empregues sobretudo em tarefas industriais de cariz repetitivo e de alta precisão. São geralmente considerados eficientes e seguros, mas essa segurança quase sempre depende de estarem isolados em células fechadas de trabalho, longe de contacto com humanos. Esta distância forçada faz com que uma interação de proximidade seja difícil de concetualizar. Alguns fabricantes estão agora a produzir robôs certificados especificamente para interação de proximidade com humanos. Tipicamente, estes robôs têm sensores e algoritmos que os imobilizam imediatamente quando algum contacto físico é detetado, de forma a prevenir que o robô magoe o humano. No entanto, estes robôs são essencialmente reativos e por isso limitados em termos de interação. Uma verdadeira interação entre dois agentes, tal como a concebemos entre humanos, requer que cada um seja capaz de percecionar o outro, antecipar as suas ações e agir de forma complementar, para assegurar uma ação conjunta e prevenir movimentos conflituantes.

 

Há, no entanto, um número crescente de exceções com várias tentativas de desenvolver robôs sociais, para interação e cooperação próxima com humanos. Estes tendem a ser mais sofisticados, com sensorização avançada e algoritmos complexos de inteligência artificial e otimizados para executar tarefas específicas e restritas. Contudo, quando interagem com utilizadores reais, fora do laboratório, a sua utilidade percebida é reduzida. Isto significa que, ou não são considerados úteis, ou que a complexidade acrescentada de interação não é compensada por ganhos em eficiência na execução das tarefas. Tal pode acontecer porque a tecnologia ainda não está desenvolvida o suficiente, mas também porque as necessidades do utilizador não estão a ser devidamente tidas em conta no desenvolvimento.

 

 

 

 

Os sistemas de condução autónoma oferecem um campo de aplicação diferente para preocupações semelhantes. Considerando a interação entre VAs e peões, pode definir-se como uma interação segura e eficiente aquela em que tanto o peão como o veículo chegam ao seu destino passando um pelo outro com interferência mínima, preferencialmente sem que nenhum tenha de parar. Para o peão, uma interação intuitiva será aquela em que este pode prever as ações do veículo usando o mesmo tipo de pistas que usaria numa interação com um veículo convencional. Embora se possam utilizar soluções mais sofisticadas, por vezes podem encontrar-se soluções simples focando as necessidades do utilizador.

 

Comunicação

Quando pensamos em comunicação entre humanos, é a linguagem que nos vem primeiramente à mente. Podemos ser tentados a pensar que um robô ideal desenhado para interação próxima deve estar equipado com capacidades de comunicação verbal. No entanto, a comunicação humano-humano é, em larga medida, não verbal. Quando interagimos uns com os outros trocamos pistas como gestos e ações, expressões faciais ou olhares. Interpretando estas pistas, enquadradas no contexto certo, podemos inferir as intenções do nosso “parceiro”. Para um robô que interage com um humano, mimetizar estas pistas pode ser mais fácil se tiver uma forma próxima da humana e se se mover como um humano. Estudos comportamentais e neuro-cognitivos parecem suportar esta hipótese. Por outro lado, a ficção científica dá-nos vários exemplos de robôs que, apesar de terem formas diferentes da humana e não serem capazes de comunicar verbalmente, são incrivelmente expressivos e podem facilmente transmitir intenções e até emoções, com base em sons, luzes ou simples movimento. Devemos também ter em conta que a forma humanóide deve ser usada com cuidado, de forma a não induzir uma sobrestimação das capacidades do robô que pode resultar em desapontamento e afetar negativamente a aceitação.

Na interação entre VAs e peão, a investigação mostra que a decisão de um peão de atravessar uma estrada em frente de um veículo em aproximação é baseada maioritariamente em pistas visuais implícitas, sobretudo no padrão de aceleração do veículo. Com base nisso, o peão infere a intenção do condutor atrás do volante. Comunicação direta entre peão e condutor só entra em jogo em situações mais ambíguas. Os VAs não têm condutor e a melhor maneira de substituir esta comunicação é ainda um tópico ativo de investigação. Interfaces homem-máquina dedicadas, normalmente denominadas “External Human-Machine Interfaces (eHMIs)”, estão agora a ser consideradas, mas levantam dúvidas em relação à melhor forma de transmitir mensagens que sejam facilmente e universalmente compreendidas pelos peões. Alternativamente ou complementarmente, parece razoável considerar que os VAs devem, de forma intencional, manifestar padrões de movimento semelhantes aos dos condutores humanos, que são já familiares aos peões. Tal pode facilitar o reconhecimento de intenções e fomentar a aceitação.

 

Um desafio multidisciplinar

A interação humano-robô não pode ser abordada apenas pelo lado da engenharia, tal como o painel multidisciplinar pode atestar. A psicologia, por exemplo tem um papel essencial. Por um lado, compreender o utilizador e as suas necessidades maximiza a usabilidade e aceitação. Por outro lado, aplicações de robótica e condução autónoma dependem fortemente de algoritmos de aprendizagem-máquina. Anotar as bases de dados de que dependem estes algoritmos e compreender as causas de possíveis vieses e artefactos são desafios com os quais a psicologia pode ser particularmente útil. Além disso, o uso de modelos inspirados em estudos neuro-cognitivos e comportamentais, em combinação com aprendizagem-máquina pode ser uma maneira de dotar os robôs com capacidades cognitivas avançadas, reduzindo a sobre-especialização (um problema recorrente no campo da aprendizagem-máquina) e melhorando a generalização dos modelos resultantes.

 

Ética e segurança

Qualquer tecnologia que pode ser usada para o bem, pode também ser usada para o mal”, e uma realidade em que os robôs são parte da nossa vida irá sem dúvida confrontar-nos com questões importantes sobre ética e segurança.

A cibersegurança será um aspeto importante. À medida que cedemos mais poder e responsabilidade aos robôs, mais importante será que os desenvolvedores minimizem o risco de pessoas mal-intencionadas interferirem com estas máquinas. Por outro lado, inteligência e conetividade, não são a mesma coisa, e talvez faça sentido desenvolver sistemas e algoritmos que dependam menos de computação em nuvem, também como uma forma de minimizar o risco de interferência.

Terá de ser desenvolvida regulamentação capaz de lidar com as especificidades dos robôs desenhados para interagir de perto connosco. As normas atuais estão direcionadas para robôs que se comportam de forma determinística, em contextos restritos. Os robôs sociais irão “viver” em ambientes mais complexos e dinâmicos. Os algoritmos que os controlam são frequentemente baseados em aprendizagem-máquina e processos de computação dinâmicos, que podem resultar em comportamentos não determinísticos. Novas normas terão de ser desenvolvidas, preparadas para lidar com estes comportamentos sem serem demasiado restritivas a ponto de limitarem a utilidade dos robôs.

Serão também necessários processos apropriados para lidar com acidentes que envolvam humanos e máquinas. A condução autónoma está hoje na vanguarda desta questão, à medida que ocorrem os primeiros acidentes de trânsito envolvendo VAs e humanos. Avaliar as decisões tomadas por algoritmos opacos e atribuir responsabilidades são desafios enfrentados pelas autoridades reguladoras, que por vezes carecem dos recursos humanos com conhecimentos e capacidades para avaliar estes eventos.

É também importante fazer uma gestão criteriosa das expectativas. Sobrestimação das capacidades dos VAs pode levar a situações perigosas como atestam já vários exemplos de mau uso de veículos da Tesla. Os utilizadores terão de ser educados para compreender que os VA têm limitações e que podem não ser sempre capazes de evitar acidentes, sobretudo em situações de uso incorreto.

Os sistemas de condução autónoma oferecem um campo de aplicação diferente para preocupações semelhantes. Considerando a interação entre VAs e peões, pode definir-se como uma interação segura e eficiente aquela em que tanto o peão como o veículo chegam ao seu destino passando um pelo outro com interferência mínima, preferencialmente sem que nenhum tenha de parar. Para o peão, uma interação intuitiva será aquela em que este pode prever as ações do veículo usando o mesmo tipo de pistas que usaria numa interação com um veículo convencional. Embora se possam utilizar soluções mais sofisticadas, por vezes podem encontrar-se soluções simples focando as necessidades do utilizador.

 

O que reserva o futuro

É difícil antecipar qual será o futuro da interação humano-robô, robótica colaborativa ou dos veículos autónomos. A história está cheia de exemplos de tecnologias que acabaram por ter usos e impactos muito diferentes do que se poderia pensar inicialmente, e o mesmo pode acontecer com a robótica social. A pandemia da COVID19 e o distanciamento físico autoimposto são um bom exemplo disso. Trata-se hoje de uma preocupação importante, mas muito difícil de imaginar há pouco mais de um ano. No entanto, tem contribuído para potenciar o papel das equipas humano-robô como forma de manter a produtividade em tarefas industriais colaborativas e ao mesmo tempo minimizar o contacto social. Outro exemplo relacionado com a pandemia é a procura crescente por serviços de entrega que tem motivado uma transferência de investimentos na investigação em condução autónoma, do transporte de pessoas para o transporte de mercadorias.

Será de esperar que os humanos adaptem também os seus comportamentos e ambientes aos robôs, se virem uma vantagem nessa mudança. Tal já está a acontecer até certo ponto com os aspiradores da Roomba e similares, com os utilizadores a fazerem mudanças nas suas casas que permitam a estes robôs serem mais eficientes. O mesmo irá provavelmente acontecer com outros robôs que acabarão por também moldar o nosso ambiente.

Em ultima análise, não sabermos o que o futuro reserva à interação humano-robô. Talvez tenhamos robôs a caminhar ou a esvoaçar ao nosso lado, ou táxis-robô ou robôs correios a fazer entregas. Talvez eles falem ou façam simplesmente sons e pisquem luzes. Talvez tenham forma humanoide ou algo bem diferente e mais parecido com o que vemos em filmes como o Wall-E. Talvez seja uma combinação disto tudo. Não sabemos. Mas é razoável assumir que, tal como acontece com outras tecnologias, as necessidades humanas irão definir o que será o futuro. Ainda que esse futuro seja algo que nem a ficção científica consegue, para já, adivinhar.

 

 

 


 

Por Emanuel Sousa- Coordenador de Desenvolvimento do HTIR


Estela Bicho é uma investigadora da área da robótica, na Universidade do Minho, com uma vasta experiência no desenvolvimento de arquiteturas de controlo neuro-inspiradas para colaboração humano robô;

Alexandra Fernandes é psicóloga experimental e investigadora sénior da área dos fatores humanos no Institute for Energy Technology (Noruega) onde estuda interação homem-máquina e homem-robô;

Dominic Noy é psicólogo e cientista de dados na Humanizing Autonomy (Reino Unido) onde desenvolve algoritmos para previsão do comportamento de peões, para serem aplicados em veículos autónomos (VAs).


 

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