Desde que Maxwell introduziu as analogias eletromecânicas no século XIX, encontrou uma forma de explicar os fenómenos elétricos em termos mecânicos mais familiares. Para os objetos regidos pela mecânica clássica, uma vez conhecido o estado atual, seria possível prever como se moveria no futuro (determinismo) e como se teria movido no passado. E assim, também o poderia fazer para os fenómenos elétricos. No domínio dos sensores e atuadores, e para os sistemas de controlo que os utilizam, a analogia elétrica estende-se a outros domínios energéticos como os fluidos, térmicos, magnéticos, químicos.
As analogias dinâmicas estabelecem as analogias entre os sistemas elétricos, mecânicos, acústicos, magnéticos e eletrónicos. Muitos sistemas podem ser utilizados para criar um modelo analógico. E quando um modelo é executado num computador analógico ou digital, isto é conhecido como o processo de simulação.
Figura 1 - Simuladores Apollo no Controlo de Missão em Houston. O Simulador do Módulo Lunar está em primeiro plano a verde, e o Simulador do Módulo de Comando está na parte de trás da foto a castanho. Crédito da imagem: NASA.
Há cerca de 50 anos atrás, durante a missão Apollo 13, o módulo de comando sofreu uma explosão num dos tanques de oxigénio, gerando uma série de alarmes de aviso para os astronautas. Como diagnosticar e resolver o problema de um ativo físico com falhas a 330.000 km da Terra e sem intervenção humana direta (os três astronautas estavam presos no interior e nem sequer podiam ver os danos)?
A NASA tinha 15 simuladores que foram utilizados para treinar os astronautas e os controladores de missão em todos os aspetos da missão, incluindo múltiplos cenários de falha. Gene Kranz, diretor de voo da NASA para a Apollo 13, afirma que os simuladores eram uma das tecnologias mais complexas de todo o programa espacial. A única realidade material no programa de treino de simulação era apenas a tripulação, o cockpit e as consolas de controlo da missão. Tudo o resto era composto por alguns computadores, muitas fórmulas e técnicos altamente qualificados.
Um simulador não é um "digital twin", como refere [1], mas a forma como os controladores de missão da NASA puderam adaptar e modificar rapidamente as simulações para que correspondessem às condições de uma nave espacial danificada na vida real, de modo a poderem investigar, rejeitar e aperfeiçoar as estratégias necessárias para trazer os astronautas de volta, foi provavelmente a primeira utilização do "digital twin".
A missão Apollo 13 aconteceu mais de 30 anos antes de aparecer o termo "digital twin", mas os simuladores da NASA descreveram o comportamento real de um “digital twin”, contendo características que desempenharam um papel crítico e que podemos tomar como características fundamentais para a construção de um “digital twin”:
- São mais úteis quando se referem a ativos físicos fora do alcance humano direto. Os "digital twins" modernos utilizam normalmente modelos 3D e realidade aumentada/virtual para atingir este objetivo;
- Requerem um “feedback” constante de dados do ativo físico que podem ser utilizados para atualizar o seu estado e suportar as decisões de engenharia. Os “digital twins” modernos utilizam normalmente a IoT para atingir este objetivo;
- Têm de ser suficientemente flexíveis para reagir a alterações no ativo físico. Os " digital twins" modernos utilizam normalmente simulações para fornecer informações críticas, emulando o comportamento físico e dinâmico dos ativos, exigindo a análise de dados para tomar decisões sobre o comportamento determinístico ou não determinístico, utilizam modelos lineares ou de precisão e abordagens discretas baseadas em eventos com variáveis ou tempo de amostragem fixo;
- Não existia um "digital twin" único para o programa Apollo; a NASA utilizou 15 simuladores diferentes para controlar os vários aspetos da missão. Os “digital twins” contemporâneos consistem em múltiplos modelos de interação que podem ser combinados para dar conta de diferentes aspetos do desempenho. Por exemplo, os algoritmos preditivos de “machine learning" podem ser utilizados para efetuar simulações e complementar outras simulações efetuadas com modelos discretos ou contínuos, determinísticos ou estocásticos;
- Os eventos da Apollo 13 decorreram ao longo de três dias e meio, durante os quais se registaram muitas adaptações e muita reengenharia. Quanto tempo demoraria a instalar novos modelos de "digital twins" se houvesse alterações no ativo físico correspondente? Talvez a utilização de modelos virtuais em 3D e de realidade aumentada/virtual possa ser suficiente. No entanto, continua a ser difícil trabalhar simultaneamente nos modelos digitais e físicos de um ativo.
Atualmente, a construção de um “digital twin” depende do conhecimento do estado e das propriedades de um ativo, o que permite tomar decisões com base em previsões ou simulações. E o termo "digital twin" [4] refere-se a uma cópia virtual de um processo ou de um produto, que pode assumir formas muito diferentes consoante as questões colocadas, quer se trate de descrever e melhorar um processo de fabrico ou de aumentar a eficiência de um ativo.
A construção de um “digital twin” segue um fluxo de trabalho simples. Em primeiro lugar, são construídos modelos matemáticos de um processo ou produto, adicionando geometria e características físicas, tais como tabelas de dados, fórmulas e condições limite. Em segundo lugar, é especificado o comportamento da aplicação, por exemplo, que informações devem ser apresentadas, como as simulações e previsões aparecerão e como os sensores serão ligados. No final, a aplicação é executada como uma aplicação autónoma ou instalada na “cloud” para ser visualizada num navegador Web.
Figura 2 – Exemplo de um digital twin da Estação Espacial Internacional, baseado em Ontologias e Cloud Computing. Referência da imagem: Microsoft.
Figura 3 – Exemplo de utilização de AR/VR para sobrepor a localização e o estado dos sistemas de tubagens subterrâneas. Crédito da imagem: vGIS.
Para além desta simplificação, existem normas e modelos de referência como a "Industrial Internet Consortium Reference Architecture" ou a "Industry 4.0 Reference Architecture" que catalisam tecnologias, apoiando a construção de "digital twins" dentro dos novos paradigmas da engenharia de software. Ontologias, Simulação, “Machine Learning”, “Big Data”, “Cloud Computing”, Realidade Aumentada/ Realidade Virtual estão a contribuir para o desenvolvimento de funcionalidades que não existiam anteriormente.
Alguns autores [4] e [5] referem que as capacidades dos “digital twins” aumentarão, por exemplo, quando incluírem adicionalmente métodos de visualização e interfaces humano-máquina para introdução de dados pelo utilizador e, como elemento central, todos os modelos e algoritmos necessários para processar e interpretar os dados e otimizar as quantidades de interesse. E que, na próxima década, as soluções de engenharia baseadas em simulação serão inundadas com esses “twins”, que serão uma parte natural do ambiente de trabalho e um ativo apresentável e até comercializável.
Por Francisco Morais - Técnico de Desenvolvimento Sénior EPMQ
[1] Siemens. Apollo 13: The First Digital Twin, 2020. https://blogs.sw.siemens.com/simcenter/apollo-13-the-first-digital-twin/, Last accessed on 2023-01-17.
[2] NASA. Apollo 13: The Successful Failure. https://www.nasa.gov/centers/marshall/history/apollo/apollo13/index.html, Last accessed on 2023-01-17.
[3] COMSOL. How to Build an App from a COMSOL Multiphysics® Model, 2015. https://www.comsol.com/blogs/how-to-build-an-app-from-a-comsol-multiphysics-model/, Last accessed on 2023-01-17.
[4] Meyer, Morten & Yu, Zhuo & Delforouzi, Ahmad & Roggenbuck, Josef & Wolf, Klaus. (2020). Whitepaper: ONTOLOGIES FOR DIGITAL TWINS IN SMART MANUFACTURING. 10.13140/RG.2.2.11346.17607.
[5] R. Rosen, D. Hartmann, H. van der Auweraer, M. Hermann and P. Wolfrum, Simulation & Digital Twin in 2030, Princeton, NJ: Siemens Corporation, 2020.
[6] LinkedIn. Holo-Light - Scaling AR/VR Apps is challenging. XR Streaming unlocks powerful resources and streaming mixed reality application, 2023. https://www.linkedin.com/posts/romanemig_ar-augmentedreality-ai-ugcPost-7019446607142113280-O02M?utm_source=share&utm_medium=member_ios