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Renascimento Digital: Transformar o Património Cultural em Tesouros Turísticos Globais através da Tecnologia
25 Março, 2025

Numa era em que a tecnologia permeia todos os aspetos da vida, o património cultural encontra-se na encruzilhada entre tradição e inovação. As tecnologias digitais emergentes — da inteligência artificial (IA) à realidade aumentada (RA) — deixaram de ser meras ferramentas para se tornarem aliadas essenciais na preservação da história partilhada pela humanidade.

 Enquanto as alterações climáticas, a urbanização e o abandono ameaçam o património físico, a digitalização oferece uma tábua de salvação, garantindo que templos antigos, manuscritos medievais e tradições em risco perdurem. Além da preservação, estas tecnologias estão a redefinir a forma como experienciamos a cultura, transformando artefactos estáticos em narrativas dinâmicas e convertendo o turismo numa jornada imersiva, em vez de uma atividade passiva.  Importa, por isso, continuar a contribuir para ligar o passado e o futuro.

 

Património Cultural e Turismo: Uma Relação Simbiótica

O património cultural representa cerca de 40% do turismo global, atraindo viajantes em busca de conexão com o passado. Sítios icónicos como Machu Picchu ou o Coliseu são motores económicos, sustentando empregos e negócios locais. Contudo, esta dependência traz riscos: a sobrelotação acelera a degradação, enquanto sítios frágeis enfrentam danos irreversíveis. A pandemia revelou outra vulnerabilidade—sem acesso físico, as receitas turísticas evaporaram. Eis o paradoxo: o património impulsiona o turismo, mas o turismo pode ameaçar o património. A inovação digital oferece uma solução, equilibrando acessibilidade com preservação e criando fluxos de receita sustentáveis. 

 

Tecnologias Digitais: Guardiãs e Amplificadoras do Património

As novas tecnologias digitais são já, reconhecidamente, incontornáveis para o registo e estudo do património, mas também como ferramentas potenciadoras da sua gestão, preservação e até reconstrução. Alguns exemplos de grande impacto:

Preservar com Precisão

Quando o Estado Islâmico destruiu o Arco do Triunfo de Palmira em 2015, as digitalizações 3D do Institute for Digital Archaeology permitiram a sua reconstrução. Hoje, drones e LiDAR (Light Detection and Ranging) mapeiam sítios ameaçados, como Chan Chan no Peru, criando modelos para restauro. Estas tecnologias não só salvam o património como geram "gémeos digitais" para turismo virtual (visitas virtuais), reduzindo o fluxo físico de visitantes. 

Criar transparência com Blockchain

O Museu Britânico ou o Museu de Arte Moderna (MoMA) já estabeleceram parcerias e realizaram experiências de certificação da proveniência de obras de arte através de blockchain, combatendo falsificações e reforçando a confiança. Para os visitantes, isto significa experiências autênticas, sabendo que os artefactos expostos são verificados. 

Dar Vida às Ruínas com Realidade Aumentada

Todos os dias surgem novas aplicações de RA em contexto arqueológico, defendendo alguns relatórios de curadores dos locais que estas iniciativas podem representar um incremento de 60% no envolvimento dos visitantes. Por exemplo, a aplicação de RA de Pompeia, lançada em 2023, sobrepõe frescos vibrantes e ruas movimentadas às ruínas, transformando-as em história palpável. Não é apenas ver ou ouvir sobre a história, é sobre entrar nela, interagir com ela e realmente experimentá-la. Atualmente, temos máquinas do tempo na ponta dos dedos ou, mais precisamente, na lente dos smartphones ou tablets que usamos.

Personalizar com IA 

O chatbot de IA do Museu Britânico personaliza visitas conforme os interesses do utilizador, enquanto análises preditivas gerem fluxos de visitantes em Angkor Wat, mitigando o desgaste das estruturas antigas e contribuindo para a gestão eficaz e otimização das experiências dos visitantes.

 

Iniciativas Globais que Lideram a Mudança Digital

Neste processo de exploração das tecnologias ao serviço da herança cultural e património, algumas iniciativas, por serem mais transversais, mais universais e com impacto mais abrangente, merecem especial referência:

Europeana: A Cápsula do Tempo Cultural da Europa

Esta plataforma financiada pela UE digitalizou 50 milhões de artefactos, desde esboços de Van Gogh a cantigas tradicionais dos Balcãs, tornando-os acessíveis globalmente. Por exemplo, a exposição virtual relativa à "Cultura Têxtil" permite explorar têxteis europeus, despertando interesse em destinos menos conhecidos. 

Projetos Europeus de Gémeos Digitais 3D 

Múltiplas iniciativas Europeias visam criar modelos 3D de importantes sítios patrimoniais, como por exemplo o projeto “Time Machine”. Outros procuram endereçar locais e sítios mais regionais, como a digitalização do Palácio de Diocleciano na Croácia. Visitas virtuais servirão tanto para preservação como para promoção turística. 

Google Arts & Culture: Open Heritage

Em parceria com a CyArk, o Google digitalizou mais de 250 sítios, como a Cidadela de Erbil no Iraque. Durante os confinamentos, as visitas virtuais registaram 500 milhões de visualizações, impulsionando o turismo pós-pandemia nestas regiões. 

Iniciativa de Drones para o Património da UNESCO 

Utilizando drones no Mali e no Nepal, a UNESCO monitoriza sítios de difícil acesso, partilhando dados com governos locais para priorizar a conservação e infraestruturas turísticas.  De âmbito mais alargado, a UNESCO e a Agência Espacial Europeia (ESA) trabalham em conjunto para utilizar as tecnologias espaciais e os dados que estas fornecem para monitorizar sítios do património natural e cultural.

 

O Papel Histórico do Instituto CCG/ZGDV na Inovação Digital para o Património

A nível nacional, o Instituto CCG/ZGDV destaca-se como uma instituição pioneira na aplicação de tecnologias digitais ao património cultural, com um legado de três décadas de projetos inovadores, tanto em Portugal como em colaboração internacional. O seu trabalho tem sido fundamental para redefinir metodologias de documentação, preservação e divulgação do património, combinando investigação científica e soluções tecnológicas de ponta.

O CCG/ZGDV consolidou-se como um hub de inovação ao longo das décadas, promovendo colaborações multidisciplinares entre universidades, entidades públicas e parceiros internacionais. Os seus projetos não só anteciparam tendências globais —como a digitalização 3D e a RA— mas também demonstraram como a tecnologia pode ser um aliado estratégico na salvaguarda do património e da identidade cultural. Num mundo onde a globalização e as ameaças ao património se intensificam, o trabalho do CCG/ZGDV continua a ser um farol para a integração sustentável entre passado e futuro.

O seu portefólio de projetos emblemáticos inclui, entre muitos outros:

Reconstrução Virtual do Convento de Santa Clara-a-Velha (segunda metade dos anos 90)

Durante a intervenção arqueológica nas ruínas do convento em Coimbra, o CCG/ZGDV usou Realidade Virtual (RV) e modelação 3D para desenvolver uma reconstituição digital 3D do conjunto monástico, permitindo visualizar a sua evolução arquitetónica ao longo dos séculos.

Esta ferramenta tornou-se essencial para arqueólogos e historiadores testarem hipóteses científicas e comunicarem o valor do sítio ao público.

Projeto Europeu "ARCHEOGUIDE" (2000)

Implementado nas ruínas de Olímpia (Grécia), o projeto permitiu aos visitantes os primeiros contactos com tecnologias, tais como RA, posicionamento GPS e computação móvel para explorar o sítio arqueológico com sobreposições digitais de estruturas antigas, reconstruindo o santuário em tempo real. Pioneiro no uso de RA em contexto patrimonial, serviu de modelo para aplicações posteriores em museus e sítios históricos globais.

Museu de Arte Rupestre do Côa (fim da primeira década de 2000)

Em parceria com a Universidade do Minho, o CCG/ZGDV desenvolveu soluções expositivas digitais para o museu, incluindo interfaces que contextualizam as gravuras rupestres do Vale do Côa. Transformou a experiência museológica em Portugal, tornando-a mais acessível e educativa, especialmente para públicos não especializados.

Projeto HeritageCare (início da segunda década de 2000)

Liderado pela Universidade do Minho com parceiros europeus, o projeto criou uma metodologia transnacional para monitorizar edifícios históricos.

O CCG/ZGDV integrou Building Information Modeling (BIM), bases de dados e RA na implementação de ferramentas digitais que permitem a manutenção preventiva e a gestão de riscos e a preservação de património edificado, reduzindo custos e prolongando a vida útil de estruturas históricas.

Realidade Aumentada para Gravuras Rupestres (Projetos Recentes)

O CCG/ZGDV usou RA e computação móvel e desenvolveu aplicações que permitem aos visitantes visualizar interpretações digitais de gravuras rupestres diretamente nas rochas, enriquecendo a visita in situ. Aumentou o engagement turístico e educativo, aproximando o público de contextos arqueológicos complexos.

 

Em Conclusão: Um Apelo à Fusão entre Digital e Físico

A fusão entre património e tecnologia não substitui a viagem e visita física, mas amplifica-a. Experiências virtuais despertam curiosidade, enquanto as tecnologias no local aprofundam o conhecimento. Para governos e instituições, investir na digitalização já não é opcional. É um imperativo estratégico para sustentar o turismo, proteger o património e fomentar cidadania global. À medida que navegamos neste renascimento digital, a questão não é se a tecnologia pertence à cultura, mas quão rápido a podemos aproveitar para garantir que o nosso passado prospere no futuro. A era digital interpela-nos: Construiremos pontes para o ontem ou deixá-las-emos desmoronar?

 

Artigo de opinião por:

Luís Almeida, International Science and Business Manager